_sobre este livro
As anti-ilhas de Anarquipélago, primeiro livro do autor, publicado somente em 2013, seguiram uma carta náutica de aventuras e naufrágios. A poesia à deriva no mar expurgado de mitos não é salvação nem inferno, apenas o fôlego necessário à construção de poemas.
A segunda obra, Movimento suspeito, afastou-se da linha d’água entre pneuma e sufoco para mergulhar na natureza instável da experiência criadora. Nesse movimento em expansão circular e proteica, a poesia, potência de liberdade, carrega sempre a marca da suspeita, o que leva o poeta a habitar um não lugar. É dessa fenda, desse estranhamento que surgem os poemas.
Se neste novo livro, Linha de instabilidade, podemos encontrar os temas tradicionais da poesia, o autor parece atenuar a explosiva intensidade da poética de insurgência que informa seus versos.
Organizado em cinco núcleos, vemos na primeira parte: “Biografites”, a pulverização da tentação biográfica transformada em invenção e reminiscência. A filiação à poética de despedaçamento não esconde o fato de que os resíduos são a forma de renascimento. A vida impressa é prova da multiplicidade de eus e de universos. Tudo é verdadeiro, tudo é inventado.
“Marca d’água”, o núcleo seguinte, traz poemas em fuga lançados à escuta abafada pelo mundo das mercadorias. Dos tempos homéricos, nos quais poema e mar se equivaliam em grandeza à poça, mínimo, efêmero e proscrito não lugar, onde sobrevive, instável, a poésis, o percurso da redução de oceano a gole de água impura é a inversão do sonho de Dante. Pagam caro os poetas por ousarem praticar atentados celestes.
Sob a epígrafe de Murilo Mendes instala-se o céu de carnalidade contra um fundo cor de amnésia em “Vão livre”, o 3º núcleo. Ceticismo, autoironia, naufrágio existencial, memórias amorosas, cavalos drummondianos galopando no peito, tudo remete ao mundo que desmorona quando o amor não está por perto.
“Anticaminho”, o 4º núcleo, revela uma estética de insurgência, espaço de pânico e terror no campo minado da cidade. Acontecimentos, funções e ferramentas de embrutecimento urbano. A cidade é o lugar onde a peste chama para dançar. E onde os homens resistem.
Na última parte, “No território da noite”, a morte e o tempo são intensificados. Versos como: “Logo a lua largará o escuro, / eu não”, revelam a íntima conexão entre vida, morte, noite e poesia. Diante do incognoscível, o último poema guarda ressonâncias bíblicas.
A leitura de Linha de instabilidade confirma que estamos diante de um poeta que merece um público mais vasto.
Anne-Marie Devanneaux