_sobre este livro
me pergunto se ainda há poetas é o verso que encerra o primeiro poema de Construção, segundo livro da jovem e talentosa poeta Luana Claro. A pergunta, que não exige marcas gráficas (?) vai, tal qual a autora, direto ao ponto, evitando distrações ou adornos e estabelecendo um canal de diálogo com a tradição Benjaminiana, cujo imperativo, toda obra de arte pode e deve ser lida como um documento de barbárie, evoca o início de uma longa crise no seio do qual as artes e, em especial, a poesia, buscam esteio para resistir à entrada no que se convencionou chamar período do pós-guerra.
O argumento basilar da discussão estética não surge na poesia de Luana apenas como mera reposição de um ideário crítico, mas, sobretudo, como atualização de uma discussão que nos obriga, a todo instante, ao presente, e cujo lúcido questionamento encobre, como todo verso bem trabalhado, uma questão ainda mais reveladora: em não havendo poetas, haverá poesia?
O pressuposto de que parte a autora é fundamentalmente existencial e imperativo: a linguagem é o castigo. Origem e destino de tudo que é possível conhecer, a partir do qual a autora extrai, chiaroscuro, a condição essencial das coisas e a ordem fatal dos acontecimentos: a manhã dá à luz/o abandono das palavras.
O Eu abandonado pelo sentido dessa existência, emerge, nos poemas de Construção, como processo, orbitado por signos vazios cuja substância inconcreta é atentamente observada, a lucidez desatino de ler no próprio destino sem poder mudar-lhe a sorte revela a condição do intelectual num mundo pós-utópico, o que na esteira de Emil Cioran afirma-se a partir da terrível ideia de consciência como fatalidade.
A palavra e, metonimicamente, a linguagem, são matéria-prima e núcleo duro para onde converge toda a discussão, cujos paradigmas, cuidadosamente escolhidos pela autora, remontam às várias instâncias do pathos social — da mais epidérmica bonus pater romana à profunda aporística epistemológica da palavra-segredo.
Construção não é, certamente, um livro-resposta, como se propõem tantos de seus coetâneos; é, ao contrário, um livro-testemunho, cuja indagação, que abre seus labirintos, pode e não pode ser respondida e, portanto, o leitor prestes a se aventurar pelos seus versos deve estar preparado para lidar com a contingência, familiarizando-se ao princípio cambiante de sua própria existência.
Rafael Tahan.