_sobre este livro
“É preciso aprender a fica submerso/por algum tempo”, escreveu Alberto Pucheu num dos grandes poemas desta década. Em Cidade submersa, de José Antônio Cavalcanti, submersão/subversão nos fazem prender a respiração nas três partes do livro. Não se pode dizer, no entanto, que a cidade esteja situada no leito de qualquer oceano. Localiza-se, ignorando extensões territoriais, no interior de um estado líquido em que viver é a longa espera por algo que talvez não venha. A arte, no entanto, é o que escapa ao não vir. Daí a necessidade permanente de inventar o fôlego, renová-lo, buscar aquilo que se agita acima da superfície perdida entre o aberto e o inalcançável.
“Submersa” é pista falsa. Seria “um cinza matricial/flexionado por línguas polidas/em verbos sem pessoas?” Ou antes “a memória de civilizações submersas/Atlântidas devassas como a nossa/mergulhadas/gota a gota/na barbárie?” Ou, ainda, “a faca cega/miseravelmente cega/dos dias que não virão”. O sufoco contemporâneo obriga a reinvenção do fôlego como arte de resistência. Se o poema ainda respira, cabe ao leitor se apropriar dele a fim de sobreviver nesse mar demencial, nessa espessa camada de desconforto e insegurança, nesse espaço hostil à circulação da arte e dos afetos na necrocidade em permanente estado de exceção. Nesse sentido, “Teoria do afundamento” (quebra das fronteiras do texto poético), entre o humor e o ontológico, formula uma pré-história do refúgio em áreas fora dos radares, das câmaras de vigilância dos podres poderes constituídos. Resistência poético-política em bolsa antiamniótica, já que proteção é tudo o que não temos.
“Suburbanners”, em sua origem, foi uma série de poemas ambientados na área de naufrágios da Zona Norte do Rio de Janeiro. Em função dessa zona abissal, cheia de correntezas mais perigosas e camadas mais espessas de dor e desamparo, acabou gozando de certa autonomia.
A última parte de Cidade submersa, “Haicais em falso”, diminui a pressão e renova o fôlego. A aproximação à luminosidade dos dias azuis não acena com a solidez de qualquer terra à vista, mas, ao alcançar um estado de encanto e leveza, aguça a percepção da presença daquilo que vige acima da linha d’água.
Tenho certeza de que, após o mergulho nas páginas deste livro, o leitor sairá com o fôlego renovado.
Wilton Peixoto Filho