Desfiei minha alegria sitiada na boca miúda, poema com o corpo estatelado num breve e estirado tempo borrifando do chão. Quando enchia minha boca de pamonha, beiços açucarados e minha prima Tita bem da fogosa prendendo a saia entre o arame-farpado pra pescar barrigudinhos-de-vala. O céu era uma santa de vestido rosa assassinada no horizonte. Na responsa, era tudo um crime confesso, um céu enxameado de horizontes batendo asas. A epidemia de olhos retirados das cavidades, na vasta várzea de construções e manilhas abandonadas se esparrando na imensidão. As valas a céu aberto, o cheiro da égua morta sangrando no chão de terra batida.
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Valdeniagô é uma zona de interferência de vozes e pedras de amolar, Inhaúma o escreve como um alquimista invoca forças que não pôde conter. E porque devolve ao poema a força dos feitiços de linguagem. Seu gênero poético é o encantamento de conjurar eguns silvestres entocados no xarpi dos viadutos: “noutro dia em que passei por uma rua deserta de Ramos, ouvi o som de crianças, mas eu olhava de cá pra lá e não conseguia apontar onde. Sou como minha tia-vó Zefa, rodeada de mortos sangrentos inundando meu silêncio, os subterrâneos de minha vida. Todos eles ligados a mim, atraídos numa cobra se espiralando por meio de meu sangue, enrodilhada como os gritos das crianças retumbando sabe se lá de onde”. Narrativa do fiat do mundo na gira do subúrbio, estes poemas, como os demais do poeta, são carcaça de uma Elba cheirando na esquina do sagrado com profano. Subúrbio aqui não é cenário, é antes o anti-herói mestiço de uma anti-trama: “Av. Brasil suntuosa, desmembrada, fábricas abandonadas, ruas tributárias zunindo despejando seus carros. Pensei pelo 770 lotado… jorge aragão enroucado nas bolinhas de sabão estourando bicadas por um periquito, pétalas se abrindo na nervura incitada, onde comecei em certo tempo, na jugular da noite, lua desencapada, decepada. Eu vi meninos rapelando as vigas, derrubando viadutos, degolando gatos com linha-chilena”. Está no caminho desses poemas pertencerem ao mesmo estoque de pólvora que atiçou os mutirões no assentamento dos terreiros e na vitalidade pujante que definiu nossa histórica subida em direção aos subúrbios. Subida anterior aos tempos, inconclusa desde o dia em “que houve Fogo na Avenida Itaóca. Os olhos maravilhavam com as chamas. E foram a vez primeira.” Heitor dos Prazeres, Barreto, Genet, Stella do Patrocínio, Jovelina, Artaud e Maria Padilha trouxeram o viço ingovernável da geologia suburbana, o mesmo que sorveu as artérias de Valdênia. Estamos na poética das mulheres e homens quebrados. Os sobreviventes dos estilhaços aqui se criaram, na brutalidade inocente das encruzilhadas, e eles têm algo a dizer sobre sua radicalidade — o poeta de Inhaúma mora na escuta dessas vozes que não negociaram a vida pelo sucesso de uma felicidade miúda. Sérgio Ortiz de Inhaúma
Claudio Medeiros
_outras informações
isbn:978-65-87076-53-9
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 14 x 19,5
páginas: 146 páginas
papel: pólen 90 gramas
ano de edição: 2020
edição: 1ª