“De que se trata o livro?” é a pergunta que se faz ao se deparar com um. Uma pergunta que, neste caso, mais do que uma resposta, requer que se faça uma brincadeira de criança: o que é o que é?
Deseiério apresenta-se como um convite a mergulhar naquilo que pulsa a todo momento, na Voz que se encontra — e se esconde — dentro de cada ser. Como um leão faminto busca pela sua presa, o homem, desejante, busca. E o que é que busca esse bicho da linguagem? Qual a Voz que tanto o move quanto é movida por ele?
A Voz é a fonte da qual o autor bebe. Para ouvi-la, é preciso tapar os ouvidos. Manter o olhar atento. Tão atento quanto uma criança.
A cada página, a Voz vai se inscrevendo no texto, se fazendo e desfazendo, ela própria uma brincadeira de tapar seus buracos, mostrar outros. Uma semente com furos, palavras quebradas, cortes de faca, uma craca que arranha a língua. Neologismos, quebras e aglutinações são a maneira da Voz dizer a si mesma.
Imagens como a craca, os pés, e a faca se mostram eixos de leitura: obsessão paranoide – uma figura de linguagem necessária para compor Deseiério. A partir dela, esse universo esquisito e encantado ganha vida e ritmo, próprios das canções infantis: “este é Meu canto cranal/a crá cá cá cá/não lava o pé”.
Uma das obsessões centrais, a craca, parece esconder dentro de si o próprio mistério a se decifrar. É a esfinge do texto. E, justamente ao se aproximar demais e tentar tocá-la, ela se esconde. Foge como uma gata, no pulo do susto.
E “Eis o que há:/uma palá”, que se encontra escondida nas palavras, no impossível de se de se dizer e de tapar todos os buracos.
Deste destino, impossível escapar. Sempre haverá a Voz que alimenta a busca de cada um em direção àquilo que escapa à língua comum, em direção ao signo incognoscível. A Voz dá o ritmo do compasso; de cada palavra, de cada verso inscrito; e se finda com batidas onomatopeicas, entre sístole e diástole silábicas: um coração que faz o texto pulsar.
Isabela Reversi