Amassando o pão que o diabo me deu é o que acontece quando um monge budista é contratado pra fazer letras de rock. Ou, pelo contrário, quando levam um punk a um retiro de escrita. O que quero dizer é o seguinte: se por um lado a poesia da Camila Felix é concisa e limpa, por outro, seu assunto é a bagunça do coração de uma pessoa.
Aqui vemos o amor em vários formatos. Do embrião do querer, tão carregado de expectativa, à carcaça de uma relação com a qual ninguém sabe o que fazer. Tudo embaralhado, sem contar uma mesma história mas dando pistas de várias. E temperado por um senso de humor, um espírito esportivo de quem entende que a dor faz parte do gozo e vice-versa. Como uma amiga que dá uma tragada funda de cigarro, te olha com todo o carinho do mundo e diz “é, gata”.
Talvez concentrar tanta vivência em versos tão sucintos seja uma forma de cura — de si e dos outros. O que era uma massa amorfa de sentimentos e uma troca sem fim de mensagens se vertem num mesmo objeto mínimo e luminoso; uma sabedoria que se condensa em ferramenta e se passa adiante. Nesse sentido, um livro de poemas como esse é um serviço comunitário.
Num poema sobre Adília Lopes, Rafael Mantovani diz que os versos dela são tão finos que quando ele tenta entrar, acaba chegando do outro lado. Sinto uma coisa parecida quando leio haicais do Bashô, tweets da Rita Lee e agora, posso acrescentar, poemas da Camila Felix.
A palavra desejo tem quatro ocorrências nesse volume: duas delas são logo no começo e as outras, perto do fim. É como se o desejo fosse uma chave que abre e fecha a leitura, nosso companheiro ao longo das páginas, quem sabe até mesmo a farinha do tal pão que o diabo dá. Como pessoa desejante, me sinto contemplado e imagino que você, desejante que tem esse exemplar nas mãos, também tenha algo a encontrar por aqui.
Pedro Cassel