As artes são um porto àqueles que sofrem na vastidão do mar de traumas e desesperos. A ela recorrem os loucos, os vadios, os sábios, as crianças, os pagãos, os ritualísticos. E dela saem frutos que, muitas vezes, servem de muletas e escape, para as dores de quem produz, ou reflexo e bálsamo, para quem se vê representado. Valsa com o diabo é para todos aqueles que sentiram cada abalo vivido se solidificando numa monstruosidade maior do que uma só pessoa pudesse suportar, que foram largando sua face real a fim de ajustar-se aos rostos ao redor ou que acabaram por adoecer depois de tanto caminhar junto à escuridão.
Valsa com o diabo foi escrito em meio a muitas crises depressivas e ansiosas entre os 21 e 24 anos do autor, depois engavetado para ver a luz do dia somente quando ele estava prestes a completar 30 anos de idade. Passado esse tempo, os textos tristes e desassossegados, como escritos por um velho, acabaram por ressaltar o limbo em que o ser humano pode chegar quando erra um passo na direção do abismo.
Mas quem seria capaz de julgar o louco quando, ao olhar o próprio reflexo por um espelho distorcido, também enxerga de volta a figura recalcada que assombra seus passos, misturada às sombras e guardada num pote hermético na tentativa de, um dia, poder esquecê-la?
Valsa com o diabo é isso, como todo, reflexos de tormentos que emergiram da forma que puderam, cordas de segurança na tentativa de escapar do fosso e não mais buscar acostumar-se com o caos. É para todos aqueles que também passam ao lado do vale escuro, temendo cair e não poder mais se levantar, mas com medo de mudar de direção por crer que sua vida se perderia se, porventura, um dia a tormenta fosse embora, já que ela sempre esteve ali.
São contos breves de pessoas envolvidas pelo temor da dúvida e pela constante presença do fim. Partindo de idosos envoltos com o anuviamento da própria história — em “Helena”, a criança que se adaptou à constância da morte, apesar de seus poucos dias passados nesta Terra — como em “A origem dos monstros”. O livro é um passeio pelo fundo da alma, onde se assenta o barro molde dos pesadelos, que tanto tentamos esquecer, mas que, vez ou outra, acaba por formar novas criações.
Misturando todas as suas vertentes artísticas em suas produções, Guilherme Massau é professor de Artes, quadrinista, artista visual, músico e escritor, ou está na intenção disso tudo, em meio às próprias danças com suas quimeras mentais.