A memória de não ser amado
ascende no calor do verão
como escapar ao laço do outro?
As aves por exemplo será
que apreendem a sua forma alada
na angústia do embate na rede?
(Regresso aos mistérios, página 19)
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_sobre este livro
Por aqui começa então a poesia de João Vilhena, esta é a ponta do icebergue que se esteve formando há tantos anos, em tantas cristalizações subterrâneas e invisíveis. E, se não é tarefa fácil para mim a de segurar esta garrafa de champanhe gelada com que o quero brindar, é precisa muita coragem para lançar esse barco num mar cheio de portentos e potenciais titanics.
Quem é então este poeta, ou seja, o que nos diz esta poesia? Há, na poesia de João Vilhena, uma oscilação clássica entre duas pulsões: se por um lado o autor é capaz de dotar muitos dos seus poemas de um lirismo bastante erotizante (eros), por outro lado há uma constante observação da morte (thanatos) no decurso da sua escrita: “Os mortos quero crer são plantas/em movimento no pátio com o sol/mas quem afinal se move é a terra/o sol vai ficando atrás de nós/mudam as mãos as plantas no pátio de lugar/e surgem flores: a vida toda/condensada em horas/mas que morte será a das plantas/ainda vivas quando se for a mão/que em busca do sol as move?”.
O Algarve é tanto o território deste poeta, que aí nasceu, quanto a cidade de Paris, onde agora vive. Alguns destes poemas reflectem essa dupla vivência, essa contra-dicção, essa convivência, por vezes mais feliz, outras mais conflituosa. E que poemas não nascem do conflito feito inquietação (por vezes aparentando acalmia)? Imagens várias, sonetos falsos e imperfeitos, esparsas e outras músicas constituem a música por onde se pauta esta poesia (auto-)questionadora, rigorosa e, na sua simplicidade, muito lida.
Mas não precisamos saber muito mais, para já, sobre João Vilhena. Não precisávamos saber nada, na verdade. A sua biografia, a de qualquer poeta, não nos pode interessar, no limite.
No limite das palavras, o que podemos dizer sobre este João português é que ele “um dia será humano”. Título provocatório em tempos de inteligência artificial, ou da progressiva ausência de sentido de comunidade. Ele lá saberá o que quis dizer com isto, e nós, seus leitores, com isso não temos nada e temos tudo.
Ricardo Marques
_outras informações
isbn: 978-65-5900-671-7
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 13x16,5 cm
páginas: 64 páginas
papel polén 90g
ano de edição: 2024
edição: 1ª