O título Poemas e urgência aponta ao leitor o que se instalará à flor-da-pele (ou no fio da lâmina) das palavras. Essa urgência-singular é unânime e ecumênica, mesmo que, por vezes, camuflada pela leveza de cenas sutis flagradas do cotidiano.
Pelagagi incensa a ancestralidade através do olfato, os cheiros, temperos, perfumes, especiarias: a hortelã da infância, a dama-da-noite, o pão, o azeite, o vinho e, por que não dizer, do sangue rizomático que assombra a menina que habita a mulher, que abriga a mãe. “Ser menina é urgente”, a frase do poema “Matrioska” ecoa pelas páginas do livro. O poeta inglês William Wodsworth escreveu, Machado de Assis ratificou: o menino é o pai do homem. Entretanto, fica a interrogação: a menina é o pai da mulher? A menina é a mãe da mulher? Ou é apenas “A origem do mundo” — rasgo metafórico e fundura infinita representados pela pintura de Gustave Courbet? Afinal de contas o que quer a menina como a sua descendência? E com ascendência? O que ela inaugura?
Esses e outros enigmas tornam-se insumos para a formulação poética pelagagiana. O que é tempo, por exemplo, ela indaga em “Fotografia que não fiz”: “capturei você ali sentado à janela/com idade indizível/Novo, velho, eterno/naquela expressão de viver”.
Em “Primeiro andar”, o medo, infiltrações e rachaduras (símbolos de nossas fendas existenciais?) são bichos noturnos que tanto provocam a nudez quanto desassossegam. O mundo exterior, o pânico, a morte, a violência, o vírus e seus tentáculos afetam e dão substrato à escrita, como auscultamos em “Era para ser um ensaio”, “Choro”, “Pandemia I”, “Pandemia II”, “Para o menino da foto”, “A impressão de existir(em)”, “Black Lives Matter”, “Ruas ilustres”, “Tsunami” e outros.
Andréa homenageia alguns de seus autores prediletos, num trânsito intertextual que atesta a força, a profundidade e a intrínseca musicalidade de sua trajetória literária. Assim como a “Valsa número 2”, de Shostakovich, que assovia aos nossos ouvidos, enquanto sonhamos a pedido do poema “Sexta-feira”, trago o antológico “Urgentemente”, de Eugénio de Andrade, como um mantra lírico a nos acompanhar nessa travessia, como uma senha (ou mote) da esperança que supostamente nasce à revelia, no inconsciente poético desta obra. Sim, é urgente o amor, é urgente permanecer. Assim como é urgente seguirmos verso a verso até o Posfácio, “O lugar era de uma aridez só/ Mas dava pra ver, de longe, se olhasse bem, uma flor/O homem era de uma aridez só/Mas dava pra ver, de longe, se olhasse bem, o amor/O texto era de uma aridez só/Mas dava pra ler, lá no meio, se decifrasse bem, alguma coisa além”.
Eltânia André