Desde o primeiro livro de Diana Castilho, acompanhamos o surgimento de uma voz polifônica. Por um lado atrevida, irônica, desbocada, política e, simultaneamente, introspectiva e poética, dedicada a desvendar os labirintos da existência. Se a sexualidade e o desejo feminino foram a matéria-prima de Lubrificada, lançado em 2021, um ano depois, ao publicar Há Solidões, a inspiração foram as múltiplas formas como a solidão nos atravessa e não necessariamente de forma negativa. Já neste novo livro percebemos outras modulações. A memória, a família e a infância ganham destaque. Em Ainda hoje quando chove — memórias da carne, Diana Castilho aproxima-se da prosa, sem abandonar a poesia, para construir uma espécie de autobiografia poética não linear, que mistura passado e presente, mas sem abandonar a projeção de futuros. Os poemas são breves instantâneos (flashes, cenas, memórias entrecortadas) que articulam concisão e força para montar uma imagem, sempre em devir, da identidade múltipla da poeta: mulher, mãe, filha, feminista, artista, anarquista. Os grandes acontecimentos da adolescência estão presentes: o primeiro beijo, a primeira transa, a angustiante escolha entre crescer e não crescer, a percepção de que os pais também falham, os abusos. O luto, como consequência de todas essas perdas, que, embora funcione como espécie de linha transparente a alinhavar os poemas, não confere um tom melancólico ao livro. Muito pelo contrário. O que descobrimos, ao ler a poesia de Diana Castilho, é que ela transforma a própria vida em matéria de invenção afirmativa e potente. Tornar-se mulher é um processo difícil, lento, cheio de encruzilhadas e de dores. Ao ter coragem de contar sua história, e assim reinventá-la por meio da escrita, Diana Castilho nos inspira a pensar e reescrever nossos próprios percursos e devires.
Flávia Péret