Stella do Patrocínio disse do que disseram: “lugar da cabeça é na cabeça/lugar do corpo é no corpo”. Esses versos me acompanharam durante a leitura de ainda não aprendi a brincar com amoras. Em seu livro de estreia, Ingrid Limaverde nos convida a uma caminhada constante de espanto. Cabeça e corpo desafiam os comandos estabelecidos: encolhem, se escondem, navegam; afirmam o pesadelo que é viver sem amor.
Seus poemas traçam um diálogo principal com a autora Maura Lopes Cançado e, através do tema da loucura, esgarçam o tempo de tal modo que muitas mulheres estão aqui. Avós, mães, amigas, namoradas, artistas, eu e vocês, nos reunimos em torno dos versos, fingimos estar sozinhas para poder estarmos juntas. Ingrid emociona, porque sabe que a poesia é lugar de nascer e de morrer; porque nos apresenta muitos medos e, junto com eles, as saídas de emergência.
Enlouquecer toma muitas formas neste livro que faz um pedido de suspensão. Abandone os receios e venha mergulhar, venha ler estes poemas para quem desapareceu de si, mas que ressuscitou e não esqueceu quem se é; para quem foi e voltou.
A partir de vínculos miúdos — detalhes fabulados na memória e na emoção de estar em contato com a vida —, o livro apresenta temas como as violências de gênero e manicomial de maneira sensível e corajosa. O risco é permanente, cortante, mas a experiência é continuamente ampliada: descortina e inaugura múltiplos olhares.
Waly Salomão, em seu poema “Jet-Lagged”, afirma “Escrever é se vingar da perda”. Eu sinto que, através dos versos, reconheci perdas minhas, e acredito que cada pessoa vá ver as próprias miragens. Ingrid, me senti vingada, não só pelas despedidas ou rompimentos, mas porque seu livro resiste ao esquecimento compulsório dos sumiços, de abusos passados e daqueles que persistem.
Durante a escrita deste texto, percebi como é difícil falar sobre o livro de alguém. Senti o desafio de fazer não só um comentário ou tecer elogios, mas algo que fosse um convite, que buscasse encantar outras leituras. Ainda bem que a minha tarefa é sobre o livro de Ingrid, porque seu trabalho desperta o sentimento necessário para que eu faça um relato honesto, talvez o máximo que consigo pretender com esta orelha. E os poemas? Ah, os poemas conseguem muito mais.
Letícia Carvalho