O sentimento poético, aqui, encontrado nessas páginas, flutua entre um rigor lexical preciso e contundente, adestrado por uma viva consciência que já não mais se concilia com a realidade, embora permaneça partícipe dos movimentos do mundo, e uma delicada musicalidade que flerta com uma transcendência que está sempre a se evadir. O tempo e nossa inexorável condição de finitude parecem conduzir as imagens para um suave niilismo, uma espécie de serena desesperança diante da incomunicabilidade dos seres, como bem define o trecho: “Ancorado a essa cadeira, gravita em torno a mim o que é inusual/num mar tão inexistente e vasto como amanhã e disperso como agora./Ainda que seja tarde, ouço o estalo de um móvel,/só alguém se mexendo numa outra cadeira./Conformado, vou me afogando.”.
Há um posicionamento político mesmo aí, operado por essa voz que está na iminência de se extinguir, ao denunciar um tempo de absoluta apatia e de recrudescimento espiritual do homem: “Os passos se tornam incertos/o dia também dorme/as vozes emudecem./Sinto o tédio se abatendo sobre o espaço/— um verdadeiro feito —/Retrato do completo embrutecimento”.
Não se pode deixar de notar a limpidez no trato da palavra e a concreção objetivista, avessa a gratuidades e a inutilidades meramente decorativas, nos versos enxutos de Lucas Perito. Na esteira de poetas como Eduardo Lizalde e Pierre Reverdy, o autor nos lembra de que um poema é um construto do pensamento, uma força clarificadora para a apreensão do mundo e do ser humano. Não raro, o(a) leitor(a) irá se deparar com uma poesia que bem equilibra a emoção e a urdidura do intelecto, num jogo pendular encantatório. Há, a mais, um desfile de referências, diretas ou indiretas, que traçam o refinado mapa de conexões estéticas e filosóficas que permeiam esse Cosmocorpo, enriquecendo ainda mais o seu tecido semântico.
A narrativa dos poemas aqui contidos, por fim, nos permite entrever a condição de alguém que transita por um mundo que está a ruir sob os pés. A perda, o luto, a passagem do tempo como uma instância esvaziada de sentido, tudo isso parece culminar no esgotamento das utopias. Não obstante o assédio assombroso da transitoriedade, ecoa nos versos de Perito certa graça estoica que nos incita a não temer os desertos, nem nos turbarmos perante o abismo; no interior do indizível, todas as possibilidades estão à espera: “Bem dentro do silêncio/haverá uma explosão,/e um mundo.”.
Milton Rosendo